sábado, 5 de julho de 2014

Vloudischt.



Não era comum eu estar sentado á mesa,prestando atenção nas conversas de todos ao redor. Mas dessa vez,fiquei. Imaginando como seria se cada um falasse um idioma diferente...Igual aquela passagem bíblica onde as tribos não se entendiam.
O mundo não era o suficiente para hospedar tamanha ignorância. Haja paciência!
Isso me fazia rir. Me fazia refletir. Me fazia temer. Temer um dia que eu pegasse essas desinformações,por osmose.
Resolvi caminhar um pouco até o jardim,procurando uma paz interior que não encontrava. Não era lá que iria vê-la,sem dúvida...mas a forma como as plantas se mexiam por conta da brisa noturna,me deixava crer um pouco no rejuvenescimento do meu humor decaído.
Foi quando observei-o em meio ao labirinto da folhagem.
Palidez de outrora,cabelos ornamentando o rosto de traços marcantes e um olhar deveras perturbador.
Fui direcionado ao seu encontro,por algo que não consigo explicar. Não senti-me atraído pelo seu cheiro,nem pela sua aparência. Só que havia algo ali!
Sentei-me ao lado do chafariz,e chamei-o para conversar. Ele veio olhando desconfiado para todo o ambiente,parecendo um selvagem em pleno território desconhecido.
Seu aspecto era de fato esquisito,visto que suas roupas não condiziam com o período ao qual estávamos. Perguntei se ele comprou aquelas roupas na cidade,em uma loja de antiguidades. Ele respondeu que eu não entenderia,mas se sentia lisonjeado por eu tê-lo visto em meio a camuflagem natural. Ninguém o via!
Denotei que ainda tentava se esconder,mesmo com minhas perguntas pertinentes,que prosseguiam a cada momento.
Seu nome era falácia em pleno brilho da lua. Vloudischt...
Se eu o pronunciasse 3 vezes,em frente um espelho,ele viria em meu auxílio.
Aquilo soou como um panteão para meu tédio. Era ilógico,e ainda assim,agradeci acenando com a cabeça,enquanto se deslocava até o labirinto,de onde o avistei.
Quando retornei para o interior da casa,olhei para trás...Tive a impressão de que ele ainda estava lá.
Segui meu caminho.
Fui até meu quarto,passando pelas infinitas salas de minha casa. Não entendia a razão de minha família ter feito tantas,mas...Eles gostavam de demonstrar algo que não eram. Nobres!
Decidi chamar seu nome no espelho,só pra provar que aquilo não era possível.
Nada aconteceu!
Sorri,e então troquei de roupa,para poder dormir. Não dei boa noite a ninguém...Aquelas pessoas eram mais estranhas para mim,do que o homem que havia acabado de conhecer. Ele me trazia recordações,que eu não compreendia.
Peguei no sono,em um longo suspiro. Acordei ensopado de suor,com o pesadelo interminável de desencontros entre minha alma e meu corpo. O que era aquilo?
Virei minha cabeça para o lado esquerdo do quarto. A janela trazia a brisa gélida da madrugada,enquanto o cheiro do ambiente se modificava. Cogitei ter sido de alguma planta,e tentei voltar a dormir.


Espere...eu já senti esse cheiro antes.
Vloudischt!
Vloudischt,você está aqui? ( perguntava na esperança de obter algo em troca,nem que fosse barganhado)

A visão ficou turva,enquanto meu corpo adormecia involuntariamente!
Foi então quando pude ouvir o relógio bater...O coração acelerar...O caos da centopéia que caminhava sobre meu livro ao lado da cama. Meus sentidos aguçaram e meu raciocínio se deturpou!
Entorpecido pela agonia dessas sensações,continuava imóvel.
A respiração descompassada invadia o senso comum...Invadia o centro do equilíbrio.
O ar não preenchia seu espaço,por mais forte que eu tentasse encher os pulmões. Estava denso.
Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...Tic...Tic...Tic...Toc...
Já não sabia se era minha mente contando o tempo,ou o relógio de parede.
Foi quando pude notá-lo ali...em cima de minha cabeceira,me drenando.

"Durma pobre criança. Durma para que a noite te leve para os braços da finitude humana,e lhe traga para o renascer do fluído eterno!"

Não conseguia respondê-lo,questioná-lo,ou defender-me.
Ali fiquei. Ali morri. Ali reencontrei-me!





quinta-feira, 1 de maio de 2014

Waidmanns Heil II

-De onde você saiu,Maphor?
-Você não gostará de saber...
- Creio que você está me enrolando com suas artimanhas. Presto atenção,e no entanto não diz nada.
-Bom,primeiramente,necessito entrar no seu carro para que consiga relatar tudo...Tenho lordose e ficar encurvado aqui,está começando a...
-Tá,entendi. Entra logo!

Laradhya liberou o acesso a porta do carro,para Maphor,que prosseguiu a falar assim que adentrou ao mesmo.
Explicou toda a história desde a criação desta criatura que ambos caçavam,até a relação contratual que ela estava mantendo...Sendo a mesma uma farsa,envolvendo alguns líderes corruptos da Igreja.
A verdade é apenas uma: Ninguém queria esse peso nas costas,e no final,era Laradhya que levaria a culpa.
Sumiriam com ela,assim como sumiam com os vestígios das caçadas,e deixariam uma pensão gorda para sua família. Assim,quem iria reclamar sua ausência?
Os dois começaram a planejar então,um ato contra a matança desta criatura...para negociarem com ele,e inverterem os papéis. O interessante era,desta vez,deixar o dia ser da caça.
Estacionaram o carro,em um determinado ponto,próximo a uma cabana. Teriam de seguir a pé,pela mata.
Estavam acostumados a situações como esta.
O trajeto era repleto de insetos,e algumas carcaças...Larvas também rastejavam entre as vísceras dos poucos animais ou humanos,que ali estavam,mortos.
Encontraram a criatura se alimentando,de um urso. É...O dia realmente era da caça.
Assim que chegaram em leves passos pelas folhas no chão,a criatura já sabia de vossas presenças.
Com agilidade,ele desceu da árvore onde estava com o que restava do urso em suas mãos,e posicionou-se na frente dos dois,que se assustaram apontando suas armas para a criatura...

-Ora,ora,ora...Vejam só se não são dois oportunistas frequentando minha floresta.
O que desejam por aqui? Estão com fome?

Laradhya prontamente respondeu:
-Nós estamos aqui para propôr algo a você.

Maphor manteve-se calado.

A criatura,sadicamente,disse:
-Eu tenho uma educação refinada,e pretendo me apresentar. Meu nome é Zephyrot. Tenho milhares de anos,sou imortal,e obviamente,não deveria estar aqui. Uma fenda entre meu "Universo" e o de vocês,foi aberta. Sendo assim,fui libertado sem ao menos pedir por isso.
Sou a mistura de 3 raças...e a única coisa que possuo de uma delas,são as orelhas. Ficam lindas em mim,não acham?

Laradhya: -Incrível como tanta brutalidade,que vimos até chegar aqui,se move rapidamente e você transparece uma fada,dentro de si.

Zephyrot: -Já que são mal humorados...Vou tratá-los de mesma forma. Quero algo de um de vocês.

Maphor: - Nós precisamos de algo seu,na verdade.

Zephyrot: - Não negocio com comida.

Laradhya:- Não somos sua comida...Mas adoraria ter você,assando em uma fogueira.

Zephyrot:- Antes que você tentasse,já estaria sendo mastigada crua,enquanto viva...

Maphor:- Gostaria de pedir que vocês pudessem ficar um tempo em silêncio para que eu diplomaticamente falasse o que acontece aqui.

Zephyrot: - Ok grandão...Pronuncie-se.

Maphor então contou a Zephyrot tudo que era planejado para ser feito contra o mesmo. Deixando-o com a boca salivando de ódio.
Laradhya não tirava as mãos de sua besta composta. Gostaria muito de executar a sentença,mas Maphor tinha seu plano e ela deixava-o seguir em frente.
Zephyrot aceitou o plano de exterminar os bons cristãos que estavam por trás da contratação de Maphor e Laradhya.

Caminhavam rumo ao destino,e...

-Ferdinand...Ferdinand...
Ouviu-se um sussurro na mata. Os 3 procuravam a mesma coisa,mas não encontravam!
-Acorde sua irmã,Ferdinand...
Continuavam procurando...
-Ande,Ferdinand!

Olá filha...Estamos aqui faz algumas horas...Tentamos acordá-la mais cedo,em vão. Seu sono profundo nos impediu.

-Quem são vocês? Onde está Maphor? E Zephyrot? Ainda quero matá-lo.

A mãe olhou para o médico,que esperava-a com uma seringa.

Fabyanna,inconformada,olhava desolada para todos na sala...Começava a reconhecê-los,mas a sessão ainda não tinha acabado. Por que estavam lá?

Fabyanna,disse o médico...Você teve uma alucinação. Nada disso é real e procuramos tratá-la para que entenda a diferença entre o mundo real e...

Zephyrot,é você!!! É VOCÊ!!!! SEU MALDITO! Gritava enquanto amarravam-na a cama. O médico aplicou o conteúdo da seringa em seu braço esquerdo...

Caminhavam rumo ao destino,e...







Waidmanns Heil I



Senti-a se imperial,ao longo de seus olhares de caçadora.
Ao decair do dia,cada segundo era um êxtase. Uma chance de fazer diferente,cada ataque. Ela vivia dessa maneira de forma milenar...Atraente como o drink mais caro de uma casa conceituada,e intransponível como um baluarte. Levá-la para cama não era tarefa fácil. Muitos homens tentavam,mas ela mantinha seu foco em espécimes específicas. A noite é boa morada para tudo que há de profano ditado pelo conceito comum. Ela usava desses prazeres as vezes...Abusava de alguns. Mas sempre se mantinha distante,como uma francesa entediada. O que ela desejava de verdade,não estava palpável.
Seus maiores clientes variavam desde as forças militares,intitutos espaciais,biólogos,médicos,governantes e bons cristãos.
 Muito trabalho a fazer,prazos teoricamente inatingíveis,e pessoas perigosas pra negociar. 
Negociar? O preço estava tabelado e o prazo estabelecido,pronto...Era isto.
Laradhya caminhava lentamente pelos campos da Casa Vermelha. Um dos locais mais belos para se observar. Chegava até a porta, observada pelos guardas armados daquela suposta fortaleza.
Sorria,descompromissada...Gostaria de uma taça de vinho do porto,naquele instante. Alguns daqueles militares eram interessantes pra brincar. 
Subindo a escada encontrou nas mãos de um mascarado,como sempre acontecia,a missão e a sentença.
Raros eram os que voltavam para relatar qualquer experiência,qualquer razão.

Pegou o envelope dourado,sorriu ironicamente acenando com a cabeça,em pedido de licença.
Abriu-o em seu Porsche...Os pagamentos de clientes de alto padrão,a possibilitavam uma vida moderna bem gasta. O nome da criatura era Velory,residia no cemitério local,era o que eles chamavam de híbrido.
3 raças da fantasia misturadas, 1 vampiro, 1 changelling, 1 lobisomen. E nesta esfera...Essas raças eram muito além do que reais.
Depois de mortas,eram noticiadas como explosões isoladas,lixos tóxicos,erros em laboratórios. Isso quando eram noticiadas. O conveniente de deixar sem provas,apenas a da sentença,era o ideal.
Começou a se preparar,com armamento pesado,e feitiços nas mangas.
Uma mão surgiu do vidro do carro...

Ela apontou sua besta composta e deu de cara com um homem,queixo quadrado,desenho de mandibula triangular,cabelos castanhos, olhos profundos de mesma cor dos cabelos,pele pálida,como a dela,expressividade perturbada e sombria...
Depois do estranhamento,e todos detalhes de suas respectivas indumentárias serem eliminados como perigo,ele conseguiu se apresentar a ela.
Seu nome soava como música,mas o que exatamente ele queria?

-Laradhya,sou o Maphor. Vim para ajudá-la
-Eu não desejo ajuda.
-Acredite...você vai precisar.

Laradhya logo sentiu a estranheza...mas teve de deixa-lo se explicar. Achava que era um teste,mas era impossível tal feito...

(continua)


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Insolência



A dor me consumia por dentro...Como se filetes de minha carne fossem tirados,a cada movimento. Sempre fui tão controlado quanto a minha mente,estudei tanto,me dediquei tanto...Acabei sendo açoitado pelos meus próprios pensamentos.
O físico já estava prejudicado pelo imaginário.
Passava meus dias em atividades corriqueiras da vida comum,e as noites,a olhar para dentro de mim...Eu nunca quis isso.
O ambiente solitário do apartamento na Zona Norte,me fazia crer que em algum dado momento,decidiria então por eliminar-me. O jogo da sobrevivência já não estava mais tão excitante,meus 45 anos começavam a pesar.
Já havia passado da crítica idade de Cristo,mas esse tempo vivendo pelos outros me fez esquecer um pouco de quem sou,e de quem escondo,aqui dentro. Atualmente,essa parte veio me dando sinais de que não deixaria nada passar...
Acordei ás 5:00pm,com falta de ar. Não tive pesadelos,mas sim,visões. Como flashs de memórias vindo despretenciosos. O início de tudo...
Minha mãe costumava me embalar ao som de músicas ambientais,provindas de várias regiões da Europa. Nossa ascendência era germânica,e ela procurava transmitir um pouco do que meus avós e os anteriores a eles,tinham de história.
Quando eu era criança,não entendia muito bem o significado do simbolismo por trás de cada nota.
Desde pequeno,não era muito percebido em sala de aula,a não ser pelas altas notas nas matérias,principalmente as ligadas as áreas de exatas,e claro,geografia e história. Digamos que eu tinha o dom de ser a escuridão,por si só.Sendo assim,eu ficava muito bem em um canto. Se observassem com atenção, sempre estive ali. Meus olhos azuis não me facilitavam as trilhas dos amores juvenis com as meninas,muito menos minha altura,e os cabelos loiros.
Na adolescência deixei os cabelos crescerem,e a barba,conforme desenhava-se em meu rosto.
Esse período não foi muito diferente do anterior...Apenas estava crescendo ainda mais,e me sentia estranho por dentro. Nada se ajustava...E não era algo comum,pelo menos,não comigo.
Então chegou a escolha do vestibular...Resolvi prestar para Medicina. Meus pais nem acreditaram naquilo...E eu surpreso do porquê.
Prossegui no objetivo,mas nem isso me animava. Continuei a dedicar-me,fui um dos melhores da turma,consegui ultrapassar certos limites,dava orgulho aos professores...E então,veio a Residência. Passei com maestria,e estava pronto para o mercado da saúde.
Era jovem,minha estrutura havia se modificado e os anos de remo na universidade me fizeram muito bem ao corpo. Mesmo assim,minhas experiências sexuais eram incompletas.
Até conhecer o Maurício,e seus contatos na noite...
Ele me levou a lugares onde jamais imaginaria estar. Então pude explorar-me mais...Pude infligir tudo aquilo que sentia,em outra pessoa,de forma consensual.
Não entendia a razão pela qual sentia tudo aquilo. Tive um bom berço,nada traumático aconteceu comigo ao longo do tempo que chegasse ao extremo. As coisas surgiram na minha vida de forma natural,conforme eu ia evoluindo.
Mas esse lado dentro de mim,gritava o mais alto som. E eu não conseguia dominá-lo!
Me aprofundei tanto até conhecer Carmília. Legítima ruiva,pele branca como lençóis de seda,a boca carnuda como o desejo,curvas exuberantes,distribuídas em 55kg.
A primeira vez que a vi foi submersa na banheira de sangue,da área privada do clube. Aquilo fez elevar-me até o limite do prazer...O Nirvana. Só de observá-la banhar-se naquele sinal de brutalidade,eu sentia meu corpo latejar.
Ela olhou pra mim,eu não conseguia pensar em mais nada.
O vício nestas práticas me levaram a ter uma relação intensa com ela. Relação essa, 24/7. Ela fazia tudo que eu desejava. Se dedicava completamente. Aquele seu aspecto frágil,me fazia ter outros tipos de fantasia,mas eu não conseguia fazer algum mal a Carmília...Tão bela,tão voluptuosa,tão esperta,tão única.
Um dia resolvi confessar-me...E como resposta,fui ignorado por 5 dias. Voltou a procurar-me e dialogamos intensamente. Ela me trouxe um presente.
Deste presente,seguimos causando o caos de nossos universos internos,aos que jamais entenderiam. Aos que não pediram para aquilo acontecer.
Fizemos isso durante alguns anos,sem nenhum rastro.
Carmília me deixou...Nua em minha cama,cheia de pétalas de rosas,banhada em sangue. Mas dessa vez não era sangue falso.
Ela proferiu sua sentença em um gravador.
Tudo que me restou dela,foi isso.
Ela está a minha volta ,todo momento. Ela fala comigo,de formas sensoriais. Ela me pede para unir-me a ela...E toda noite,isso se torna ainda mais forte.
Passei a fazer plantões de madrugada,também. Pra conseguir fugir disso.
Até que nos encontramos de novo, em um leito de morte na ala L7.

Ela observava calmamente, o falecimento daquela senhora,que estava antes na UTI.
Virou para mim e disse:
-Hoje você não fugirá de meus encantos,nem de meus cuidados...

Corri,pois por mais que desejasse isso,sabia que não era racional o que estava acontecendo.
Não resolveu nada.

Me tranquei em meu escritório,a escuridão retornou para abraçar-me.
Volto a ele repetidas vezes,depois de ter longas conversas com ela...
Vou trabalhar todo dia,mas as pessoas não me cumprimentam,e apenas alguns pacientes conversam comigo.
Percebo que os que conversam comigo,a maioria falece tempos depois.

Onde estou?















sábado, 14 de dezembro de 2013

Sono descuidado...


Ele disse para mim em seus lindos olhos profundos,em seus lábios carnudos,seu rosto robusto e seu caminhar tranquilo,que o mundo não era uma boa morada. Nos encontravamos raramente,mas eu não o tirava de minha cabeça.
Houve um dia em que soube que ele sofreu o feitiço de um necromante. Este necromante foi ativo em sua vida,durante algum tempo. Certa vez,ele acordou no meio da noite,e não conseguia mexer seu corpo,nem falar. Segundos que pareciam uma eternidade...
O raciocínio estava comprometido,completamente invadido por forças ocultas. Nada fazia com que isso parasse. Foi então definhando-se,consumindo-se até seu fim.
Mas seu fim era seu recomeço!
Sexta,feira,13 de Dezembro de 2013. O dia estava inquieto,assim como minha mente. Abri meu livro na página 66,em uma fala de Confúcio a Lao-tsé: "Ah,quanta sabedoria neste homem! Não há outro deste lado do céu,ele é como a Fênix entre corvos."
A brisa atravessava a janela,completamente despretenciosa,arrepiando-me e fazendo-me passar as mãos pelos braços,procurando esquentar um pouco,meus sentidos.
Caminhei até a janela,os raios de sol me faziam lembrá-lo. Foi então que o vi passar. Estava com uma calça jeans,com detalhes em preto e branco(não conseguia ver a estampa),uma regata branca e um colete de couro. O cabelo preso,com suas ondas tímidamente contidas. Ele não me conhecia completamente,apenas tinha ouvido falar de meu nome,e de algumas coisas a meu respeito,por ser amigo de alguém da minha família...
Naquele momento pensei em como ele estaria,se havia recuperado-se completamente daquele caos,porque continuava um homem exuberante...Pisava no chão como filho do trovão! Sim,ele estava diferente...
Tive de ir até o carro para buscar uma papelada que precisava trabalhar. Na volta,pude avistá-lo sentado no jardim. Jasmins,rosas,lírios,o cercavam. Além da bela folhagem distribuída em cada canto do local.
Nossos olhares se encontraram novamente,e eu decidi me aproximar. 
Pedi para sentar,recebi um sorriso singelo em resposta,e então fomos conversando.
Ele parecia contido,não por naturalidade,mas por precaução. Começamos a falar sobre família,trabalho,amigos,quando senti que não haviam mais impecílios drásticos.
Um beijo nos trouxe até aqui...e nos transformou completamente.

Meus olhos teimavam em repousar sobre ele até neste momento.
Sua quietude, sua discrição, sua aparente timidez, abriram caminho para seus feitos serem perfeitos. Para minha tristeza.

Ninguém podia ouvir meus gritos,nem minhas preces,nem presenciar minha luta. 
Minhas unhas ficaram cravadas naquele jardim, a terra se misturava com o sangue, minhas roupas,rasgadas faziam parte das rosas vermelhas,próximas onde aquela cena ocorria. 
A agonia era tamanha que perdia a respiração, pouco a pouco... Como se desistisse de tentar livrar-me daquilo tudo.
Então ele me olhou, cercando meu rosto com suas mãos e disse:
-Agora você saberá todo dia,o que é temer dormir. Estarei com você, sempre. Obrigado por dividir comigo esse fardo.

Acordei-me de súbito... Estava nua,em minha cama. Olhei para o espelho e o vi,sorrindo para mim, em plena manhã.

Nunca desejei tanto que um dia fosse longo...
Mas era em vão...
Não sabia que um olhar poderia ser uma sentença... 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Deixe-me ir...



14 de Setembro de 2016,ás 2:00 da manhã. Liguei para Colombo e pedi que viesse a minha casa. Conversamos e então...
Ele relutou,eu não.


Deitada sobre a grama,olhei em direção ao ipê que estava em meu lado direito. Observava o caminho que as folhas faziam,enquanto caiam,embaladas pelo vento. Era uma tarde radiante,mas não para meu coração.O sentimento de perda,é difícil de lidar. Ainda mais quando só você,valoriza-o!
Meu corpo queria se erguer,mas minha mente impedia-o. A terra me chamava de sua,as plantas amenizavam meu peso sobre o solo,as gotas da chuva recém chegada,purificavam meu Ser. Não queria acabar com isso,já que todo restante,não tinha mais valor. Talvez eu devesse compreender as passagens da vida mais rapidamente. Assim,não me apego a detalhes que ninguém nota!
Lembrei de meu caminho,para chegar até aqui. Passei por pessoas desconhecidas,outras cumprimentei,minhas passadas eram longas,meu corpo esguio ditava meus costumes. Onde resido,é uma incógnita,que meus amantes não conseguiram responder. Minha família mantinha uma postura religiosa,perante qualquer acontecimento...Por mais corriqueiro que fosse. Isso sempre me deixou irritada!
Os tempos na faculdade foram repletos de gente insignificante. Se ir pro passado,ainda mais profundamente,estarei falando de uma adolescência em cárcere,e uma infância solitária.
Acabei conhecendo,em meus anos inértes,um grande amigo. Chamava-se Colombo.
Colombo dividia comigo,tudo,de sua vida. E assim eu era com ele. A reciprocidade estava em toda atividade de nossas vidas...Em nome dessa cumplicidade,nasceu um amor. Um amor que não pude vivenciar,pois era calado...
Não entendo quais foram as razões para Colombo agir desta forma,mas sei que foi por pureza. Tudo que ele fazia,era genuíno...De uma calmaria que acalentava minha confusão interna.
Passamos longos anos nos admirando,nos ajudando,nos apoiando. E não deixou de ser assim,nem mesmo neste instante.
Eu sempre apreciei a primavera. Sentia-a entrando em minhas veias,com sua melancolia disfarçada em riscos solares,e flores teatrais,que desabrochavam esperando aplausos.
Creio que escolhi o momento certo...O dia mais belo,para que Colombo me amasse. Da forma mais intensa que poderia ser. Antes de partir,pude senti-lo abraçando-me. O calor de seu corpo ao encontro do meu...Eu sempre soube,mas ele só me falou,quando eu já não estava mais aqui,de alguma maneira.
Susurrou em meu ouvido,aos prantos: "Amo-te,e sempre irei!"
Tão cavalheiro,tão puro,tão amigo...Me deixou na paisagem mais maravilhosa,para meu conforto. Foi nesse momento que me arrependi,de não poder mais sentir teus lábios no meu...E nem poder dizer o quanto também o amava. Só havia compreendido quando cheguei do outro lado,e meu avô não me deixava olhar para trás.




terça-feira, 12 de novembro de 2013

As águas de Lianna.

"Eu sei que você não pode acreditar...Mas,você irá com o tempo.
Quero lhe proteger,e pra isso,é preciso o sacrifício...Mantenha-se frio,mantenha nosso segredo em Pandora."


Longe de casa,caminhando com um trecho de uma música na cabeça...Que diz o seguinte : "De qualquer maneira,eles não conhecem você,como eu conheço."
Acho que estou preocupado sobre a coisa errada,contudo, meu lado metódico não me deixa seguir adiante,sem cogitar toda hipótese possível.
Arthur Conan Doyle...Mãe,por quê desde pequeno me fez apaixonar-me pela forma de escrita? Olhava meu avô como Holmes,fumando seu cachimbo de marfim. Enquanto virava as páginas de seu jornal matinal...
Cresci com ambientes cheirando a fumaça,cafeína,e naftalina. E meu pai ainda me dá tapinhas nos ombros,questionando a razão pela qual escolhi minha carreira profissional...
Perícia Criminal...Uma alma eternamente solitária como a minha,sedenta pela investigação e o poder da prova,necessitava de uma profissão menos,digamos, "depressiva"?
Oras,por favor...Poupem-me deste discurso! Nós nascemos para certas coisas...O estudo se torna mais fácil,inclusive. Só gente sem talento fala uma coisa dessas.
Acordei na madrugada,novamente...Minha insônia não me deixava descansar. Levantei da cama,reparei na silhueta do meu corpo pelo espelho na parede,que ela tanto fez questão de ter. Por um momento pensei em quebra-lo...Pedacinhos voando,enquanto refletiam o brilho da lua que invadia meu quarto.
Droga! Dormi com essa papelada toda em cima de mim...Nossa,preciso de um café.
Enquanto fazia meu café,reparei que a casa ainda estava com o cheiro de seu perfume...E os incensos que usava pro seu Yoga. Uma fúria imensa tomou conta de mim...Decidi terminar de fazer o café e desfazer de toda aquela tralha. Fiquei me questionando o por que aguentei tudo aquilo por tanto tempo,mas o fato é que ela havia deixado essa visão em mim...que banho algum de ervas ajudaria a tirar-me o estigma. Já estava vendo coisas,durante o trabalho,e fora dele...
Pensei em procurar um grupo de ajuda...Mas esse é o tipo de coisa que se fala para poucos.
Imagine-me chegando até a bancada e dizendo: "Olá,boa tarde a todos,sou perito criminal,e vejo gente morta." Eu realmente vejo gente morta,eu lido com cenas de crimes...hahahahahaha,cômico... Patético!
Mas como explicar os espíritos? Como explicar essas almas procurando desencarnação?
Bom,peguei as caixas e decidi que algumas,seriam devolvidas,outras,queimadas...
Ela não me deu escolha! Disse que eu não tinha tempo pra ela,nem pro nosso relacionamento...Nem pra pensar em ter filhos.Ok,eu daria um jeito. Mas,ela resolveu de forma mais prática e animalesca.
É,talvez eu seja realmente um nômade disfarçado em terno.É, UM NÔMADE...
MERDA! CHUTEI A PORCARIA DA CAIXA...VOU TER QUE ARRUMAR TUDO NOVAMENTE.

Olhei para o relógio,eram 02:57 am. Merda de horário...eu verdadeiramente adoraria ter um caso agora,nem que fosse um acidente qualquer.Para lidar com toda a cena,documentação,relatórios,e componentes. Falar com os policiais,montar estratagemas com meus colegas de trabalho.
Correr para o laboratório,aproveitando os excelentes químicos que temos...A aparelhagem...
Eu sou melhor assim,eu sou melhor nisso,eu sou...eu...é...eu...Esqueça.
Lágrimas escorrendo enquanto olho para nossa última foto,juntos.
Eu vi o suficiente,é tempo de ir...É tempo de respirar!
Larguei a foto entre os objetos e afins,para serem queimados.
Fui procurando cada vez mais,e obviamente,encontrando...Até juntar tudo.
O ódio tomou conta de mim,e a partir daqui...Estou pouco me importando com qualquer coisa.

"Você disse que não queria viver na escuridão,queria que eu a libertasse" .Te conduzi em meus braços como no Tango. Tirei você de toda aquela lama...E tudo que me resta agora,é limpar a sujeira que você deixou em mim.

Cada ponto da floresta de mim mesmo,cheira a você.
Pensamentos,pensamentos,sentimentos...Os feitos me levaram até as 5:30 am. Já era hora de começar a me arrumar para mais uma rotina. Preciso dar um jeito em tudo isso...Metade já está se encaminhando,porém,necessito da troca de horário. Calmantes não vão resolver meu problema...
Aprontei-me em cerca de 40 minutos,tomei meu café da manhã,liguei a tv,rodei alguns canais,não vi nada de interessante. Peguei meu casaco,minha bolsa,dei uma última olhada na minha aparência,naquele maldito espelho,e sai.
Os passos marcados,dados por pisadas fortes,compunham o meu humor. Entrei no carro,coloquei minhas coisas no banco traseiro,e dei partida.
Cheguei ao Instituto de Criminalística,em 2 horas de viagem...Trânsito desgraçado. Metrópole as vezes me irrita...Mas vivo dela. Sem ela,não há crime. Sem ela,não há mentes doentias.
Cumprimentei meus colegas e dei de cara com o Jorge, um dos que tenho grande orgulho de fazer parte do dia-a-dia. Demos o costumeiro "bom dia" seguido de uma provocação que chamamos de "up na carreira".
Nada demais,na verdade...Apenas o bom e velho sarcasmo em prática.
Ele me entregou uma pasta de arquivos,haviam umas fotos nela...Abri para verificar. Antes de analisar,o próprio Jorge começou a falar:
- Rob,quero que você analise muito bem esta cena,ok?
-Ok Jorge,você me conhece há anos,sabe como trabalho...Por que agora,essa "pressão"?
-Não,não é nada...Quer dizer,é sim,mas...Eu quero muito que você esteja em seu melhor momento particular e...
-O que meu momento particular tem a ver com isso?
-Você se sente feliz?
-Jorge,isso não tem nada a ver com nosso trabalho!
-Responde-me...
-Me sinto satisfeito com o meu trabalho...Quanto a vida pessoal,minha namorada terminou comigo há alguns dias atrás. Estou no processo de compreensão de tudo,para poder desapegar do sentimento ruim que persistiu em ficar...Foram anos de relacionamento e,enfim...
-Ok. Isso não pode prejudicar nossa investigação. Acho melhor lhe dar o dia de folga,pra você pensar mais em tudo e...
-Cala essa boca Jorge. Vamos logo pro carro,já estamos com tudo pronto. E por que diabos você está me escondendo os detalhes do caso,como topografia,etc?
-Tudo bem,vamos logo pro carro. No caminho eu vou te explicando,ok?
-Tá que seja...
Respondi em um ar de deboche...Fiquei irritado com tudo aquilo e nem pensei que estava sendo intolerante com meu colega de trabalho. Entramos no carro e fomos conversando...Eu percebia uma imensa cautela vinda do Jorge,ao falar sobre o caso. Parecia até que se tratava de...Deixa pra lá,vou nem pensar nisso.
Chegamos ao local,era íngreme,portanto paramos o carro,pegamos nossos mecanismos de trabalho,e seguimos a pé.
Quando chegamos na ponta desta ladeira,havia quase que um abismo,naquela mata. Tivemos que pedir reforços da equipe,para podermos descer em segurança para examinar a área e todos os componentes,e o restante da equipe ficar recebendo alguns dos dados que enviassemos,no ponto estável do terreno.
Os reforços chegaram,então prosseguimos no nosso trabalho. Descemos então,nos apoiando na própria terra,e nas pedras,para com que conseguissemos ultrapassar a parte mais difícil...A mata fechada.
Fomos adentrando,mais e mais...Com cautela. Havia um riacho mais para frente no terreno...Jorge pediu que eu o resguardasse, enquanto ele explorava mais. Aqueles arrepios me vieram até a espinha dorsal...Fechei os olhos por segundos,pensando em poder ver algo não explicável pela ciência...
E eu realmente vi...
Era ela, Lianna...Minha,minha...Adorada Lianna. Mas,o que ela estava fazendo aqui? E desta forma espectral? Não...
NÃO,LIANNA...NÃO!!!
JORGE...JORGE...
Jorge olhou pra mim,com profunda tristeza e quis me impedir de ver o corpo no riacho...Lá ela estava,com seu corpo todo imerso na água,boiando,inerte.
Pela primeira vez,eu chorei durante meu trabalho...Não conseguia nem respirar direito. Ajoelhei-me na beira do riacho. Eu não me importava com mais nada...Nada se passava em minha mente,apenas uma dor dentro de mim,que jamais havia sentido.
Minha linda...tão linda Lianna. Por que? Quem fez isso? Minha Lianna...Minha Lianna...

Jorge encontrou próximo onde eu estava sentado,uma bolsa...
Dentro desta bolsa,havia um "Livro das Sombras". Neste livro,nas últimas páginas,havia uma confissão:

"Rob,meu amado Rob...
Gostaria de lhe escrever nestas linhas,coisas positivas,ou até mesmo declarar o meu amor por você...Mas a única coisa que pude fazer,foi colocar dentre meu livro de estudos de magia,uma parte sobre nosso amor...E uma parte muito ínfima,por assim dizer. Me perdoe por isto...
 Eu quis escrever aqui, por ser algo verdadeiro...E você trabalha com isso,preza tanto isso. Eu nunca desisti das minhas raízes,de meus estudos...E escondia isso de você. Por isso escolhi justamente este livro,para poder falar que...Estou partindo. Você não pode entender agora,mas desejo que cante comigo,quando sentir-me perto de você. Eu te amo,e meu fim estava determinado:
Outò, ba mwen son ou,e,
Outò, ba mwen son ou,e,
Tanbouyè, o ba mwen son ou,
Solèy lève."